É possível ressignificar símbolos fascistas?

Gabriel Yukio Goto
4 min readJun 1, 2020

Eu poderia estar falando da bandeira brasileira e da camiseta da finada CBF, mas em meu último texto publicado, sobre a solidariedade anti-racista, acabei indo parar num antro nazi-fascista do twitter. Nada que assuste em primeiro momento, mas é sempre preocupante ver crianças (nikkeis inclusas) brincando de exaltar ideologia genocidas (sem aplicar a teoria da ferradura aqui, viu). A suástica sabemos identificar, mas vamos falar de uma tão asquerosa quanto, mas que é tão aesthetic.

Recentemente, o programa da Sabrina Sato na Record passou a utilizar em um dos quadros “Made in Japão” a estética da bandeira do sol nascente e por que isso é problemático?

No momento que você usa algo tão nocivo como estética, você não está ressignificando aquela bandeira, está apenas normalizando o absurdo e o indefensável.

Os japoneses são negacionistas, tentam esconder os seus crimes num véu de país pacifista pós-segunda guerra mundial, o que pode funcionar para a maioria, mas nós (principalmente nikkeis) devemos reafirmar em alto e bom tom que o Japão está longe de ser um país governado por coitados.

Um dos meus bisavôs veio com a família praticamente que obrigado a sair de Okinawa em direção ao Brasil, 10% dos nikkeis do mundo são originários de Okinawa.

O grupo étnico predominante no Japão é o yamato, os dois principais grupos indígenas da ilha são o Ainu que foram suprimidos e levados até onde hoje é Hokkaido, mas completamente reduzidos. E os uchinanchus, originários do reino de Ryukyu, o arquipélago ao sul das ilhas japonesas principais. Foi anexado tardiamente no século XVIII e XIX, antes disso eram soberanos.

Além disso, a única batalha em terra durante a segunda guerra mundial pelo exército japonês ocorreu em terras okinawanas, matando por volta de 50 a 150 mil civis (detalhe, civis, não estou falando de soldados).

A província de Okinawa possui 1.400.000 habitantes, pouco mais de 1% da população do Japão, mas dentro da sociedade nikkei mundial de 3.500.000 pessoas, são 350 mil de Okinawa, o que corresponde a 10%. No Brasil são 1.600.000 nikkeis, dentre os quais 170 mil são de Okinawa, o que também corresponde a 10%. No Peru e Argentina são mais de 90%. Quer dizer, no Novo Mundo os números mudam.

No Kasato Maru (1908) das 800 pessoas que chegaram nos navios, 325 eram de Okinawa.

Com a ascensão do império japonês, invadiram também a Coreia, a China, a Mongólia, as Filipinas, Vietnã (que na época era a Indochina francesa), Tailândia, Malásia (que estava tomada pelos britânicos), Taiwan, Hong Kong (tomada pelos britânicos), Macau (grande colônia portuguesa), enfim, o Japão era como a Europa dentro da própria Ásia.

O pior foi: os países ocidentais mal consideraram esse imperialismo como um crime de guerra, afinal, se você reparar muito dos aliados tinham as suas garras na Ásia também (assim como tinham na África e na América Latina), então o Japão foi passar a ser considerado uma ameaça apenas na segunda guerra mundial.

De 1870 até 1945, a bandeira utilizada pelo exército era a bandeira do sol nascente, então para que não exista erros quando formos falar sobre isso. Utilizar a bandeira do sol nascente para qualquer fim acaba sendo extremamente desrespeitoso com milhares de pessoas que tiveram suas vidas tiradas durante quase um século de dominação imperialista.

Hoje, uma versão um pouquinho diferente é utilizada na Marinha, mais uma prova de que devemos abominar qualquer menção à ela, negam a história para passar incólumes, mas que nós lembremos de seus crimes.

Tem um pessoal que insiste em dizer que isso é uma propaganda anti-japonesa feita por coreanos, mas meus amigos, o Japão já fez a sua própria propaganda anti-japonesa em seus tempos imperiais.

Os samurais consideram o suicídio um ato de bravura e uma morte heróica, Mussolini e Hitler foram pra vala, Hirohito foi tão covarde que nem se quer a capacidade de cometer o seppuku ele teve e pior: o seu filho e o seu neto o sucederam. Um país que tem um imperador com sangue de genocida nas veias não deve ser levado a sério.

Então você, caro otaku desavisado, se utiliza a bandeira do sol nascente por estética e por desconhecer a história desse país tão kawaii. Só pare. Se você, caro fascistóide nazian, exalta um símbolo de opressão e genocídio em pleno de 2020. Eu só posso desejar todo o mal que lhe for possível. O karma vai entender.

É isso, acho que escrevi demais, ainda até queria falar sobre a bandeira dos confederados que é hasteada aqui na minha cidade, mas talvez isso seja assunto para um outro texto.

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Gabriel Yukio Goto
Gabriel Yukio Goto

Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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