A birracialidade e o não-pertencimento

Gabriel Yukio Goto
3 min readMay 2, 2020

Quando perguntado eu sempre me referi como mestiço, porque era assim como as pessoas se referiam de mim. Quando iam me elogiar, desde criança até a vida adulta, diziam que eu havia pego o que tinha de melhor na beleza japonesa e na beleza branca herdada da minha mãe, hoje eu reconheço todas essa problemáticas que se envolvem nesse discurso, afinal: eu seria apenas bonito por conta dos fenótipos brancos maternos?

Quando discutimos fenótipos principalmente de pessoas descendentes de asiáticas falta muito embasamento teórico para que possamos nos basear, portanto esse pequeno texto vem mais como um artigo de opinião que não visa negar ou afirmar qualquer coisa.

Eu como birracial com pai amarelo e mãe branca, acabei tendo uma criação completamente branca, visto que meus pais se separaram quando eu ainda era muito pequeno, por isso fui socializado completamente como uma criança branca como qualquer outra, com um porém, em situações interacionais fora do meu contexto familiar eu sempre fui lido como o “outro” alguém de fora, um amarelo.

O meu pai, dekassegui, conheceu a minha mãe no Brasil e ambos foram para o Japão em 1995, comigo nascendo em 1997, em 2000 minha mãe decidiu que era melhor que voltássemos para o Brasil e assim fizemos, desde então eu nunca mais pisei em solo nipônico, não frequentei as escolas japonesas tão pouco fui registrado como japonês nato, era obviamente filho de imigrantes.

“O caso dos dekasseguis é exemplar como experiência radical de encontro/ confronto com o estrangeiro, com o “Outro”. Apesar de descendentes de japoneses, quando emigram para a terra de seus antepassados percebem-se brasileiros e não japoneses. Talvez como nenhum outro fluxo migratório, este embute, de maneira muito forte, a perspectiva do retorno e da convivência com realidades nacionais distantes e distintas. Por um lado, continuam sendo afetados por acontecimentos que ocorrem no Brasil e, por outro, vivem aqueles que ocorrem no Japão. Num certo sentido, vivem um espaço que se cria “entre” um país e outro, uma cultura e outra, entre ambas nacionalidades. O transnacionalismo é praticado com bastante intensidade e contundência pelos dekasseguis, isto é, eles são capazes de habitarem simultaneamente os dois países, mantendo contato constante, com familiares e outras pessoas de seus círculos de relacionamentos, residentes no Brasil.” (OKAMOTO, 2017)

A diáspora asiática permanece viva mesmo no século XXI, em um período da história em que discutimos a necessidade de fronteiras, estamos em constante questionamento, o sentimento de não-pertencimento tanto para uma quanto para a outra cultura, eu mesmo nascendo no Japão sei que por conta de meus fenótipos birracializados, não seria bem visto por lá, assim como muitas vezes não fui bem visto aqui.

Quando criança, quis neutralizar o pouco de amarelo que tinha, fosse o nome, o cabelo ou os tímidos traços em meu rosto, hoje, apesar de estudar sobre a cultura japonesa e o movimento imigratório tentando reatar raízes até então cortadas, me sinto mais brasileiro do que nunca.

“Hoje, sabe que sua cor, na cultura brasileira, é designada como amarela. Também aqui, em que pese a ausência de mais elementos da narrativa de Eiko, nas entrevistas, é possível conjecturar que o branco, para ela, na resposta ao questionário, significava um não saber sobre si e sobre o mundo associado a uma recusa em se posicionar, em assumir-se como diferente, como uma estranha. Assim, teria preferido diluir-se no branco, numa cor neutra. “ (OKAMOTO, 2017)

Não me vejo como branco, as outras pessoas não me enxergam como branco, e essas sempre foram questões muito bem perguntadas sem nunca encontrar uma resposta satisfatória para a importância dela. Ainda não me sinto 100% pertencente de um grupo, o que talvez seja uma necessidade humana de sempre buscar se familiarizar com tudo e todos, porém seguimos estudando em busca de achar a nossa própria verdade.

Referências:

OKAMOTO, Mary Yoko; JUSTO, José Sterza; RESSTEL, Cizina Célia Fernandes Pereira. Imigração e desamparo nos filhos de dekasseguis. REMHU, Rev. Interdiscip. Mobil. Hum., Brasília , v. 25, n. 50, p. 203–219, May 2017 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1980-85852017000200203&lng=en&nrm=iso>. access on 01 May 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1980-85852503880005012.

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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