A Casa dos Espíritos da Isabel Allende ou Por qual caminho se segue a Revolução?

Gabriel Yukio Goto
4 min readAug 30, 2020
  • Contém Spoilers, mas se você sabe da história da América Latina, não será nenhuma surpresa

Terminei o livro do primeiro país desse meu mochilão literário, começando pelo sul da América, o Chile. O livro escolhido foi o de estreia de Isabel, um romance histórico, proletário e com elementos do realismo fantástico, extremamente popular no século XX.

Lançado em 1982, na Argentina, o romance segue a família Trueba em três gerações diferentes, avó, mãe e neta (Clara, Blanca e Alba). Quase um século de história, no começo parece apenas uma história ordinária da uma família pequeno-burguesa de um país no extremo-sul do mundo, A Casa dos Espíritos, na verdade não é a pequena mansão que foi cenário em diversos momentos da história, mas sim o país — que na história não é mencionado o seu nome — que é completamente dominado e oprimido pelos poderosos, ou os “de sempre”.

O livro começa com temas como a descoberta da sexualidade, o papel da mulher na sociedade, feminismo e luta de classes, principalmente quando a família protagonista sai da capital para ir para a fazenda em Las Tres Marias, a forma como Esteban Trueba abusa de seu poder e de como ele faz parecer que se não fosse por sua liderança, tudo aquilo estaria perdido.

Todas as personagens que aparecem na história tem a sua dada importância, escrito por forma de relatos e lembranças, o tom da história vai se acentuando conforme grandes acontecimentos históricos tomam forma em outros lugares do mundo, como a 1ª guerra mundial, a revolução de outubro na URSS e a 2ª guerra mundial. Marx é citado, referenciado, admirado e temido.

Esteban Trueba, a personificação do latinfundiário — e posteriormente — do político conservador, é um dos grandes inimigos do marxismo crescente na América Latina, defensor dos bons costumes e da tradição, faz parte dos “de sempre”, é machista, misógino, um verdadeiro monstro, mas é o único que no decorrer da história há capítulos em primeira pessoa, pois de alguma forma, é o único que acaba expondo as suas fraquezas, uma jogada narrativa por parte da Isabel para “desmascarar” a faceta do homem poderoso.

O livro alcança o seu ápice ao chegar nos anos 70, sempre sendo referenciado como “O Candidato”, depois de quase 20 anos tentando se eleger, é finalmente uma vitória dos socialistas e “O Candidato” se torna, finalmente, “O Presidente”. Nesse caso, sabemos que a autora fala do seu tio, Salvador Allende. Assim como diversas vezes temos a citação d’O Poeta, sabemos ou deveríamos saber que ela fala de Pablo Neruda.

Diversas formas de interpretação são levadas em conta na história, como a de Jaime, filho de Clara e irmão de Blanca, que acredita que a vitória dos socialistas de forma democrática seria o suficiente para impedir os avanços reacionários e a de Miguel, um jovem que crê que a única saída é a luta armada e uma revolução com sangue.

De 70 a 73 a história ganha as cores de um pré-golpe, desde a derrota do partido conservador, Trueba foi o principal articulador da oposição, dando corda não apenas para forças estrangeiras, como para as forças armadas, tanto que em 73 ocorre o golpe militar liderado por Pinochet e patrocinado pela CIA.

Acreditavam que a tomada dos militares seria apenas um período de transição até que devolvessem o controle para a burguesia, mas logo percebe-se que não essa era a intenção. As últimas cem páginas da história focam em dois pontos: em como há a sabotagem da burguesia latifundiária, com a escassez de alimentos, com caminhoneiros sendo pagos por forças imperialistas para permanecerem sem trabalhar e como assim que se dá o golpe, tudo volta a sua normalidade, porém muito mais caro.

Além da repressão polícia política nos bairros pobres, seja caçando por comunistas ou simplesmente para dar um recado a população pobre do país. Há passagens de tortura extremamente pesadas.

A Casa dos Espíritos é um livro emblemático que representa não apenas o Chile, mas a América Latina como um todo, a lição de que sofremos do mesmo mal do imperialismo e quando isso não for combatido, não teremos paz. O que aconteceu com o Chile aconteceu com todos os outros países latino-americanos durante o século XX e também no século XXI, com os casos mais recentes da Dilma sofrendo um golpe em 2016 e ano passado o Evo Morales na Bolívia.

O livro de estreia da Isabel Allende é leitura obrigatória para entender, através da literatura, o povo latino e as nossas amarras.

--

--

Gabriel Yukio Goto
Gabriel Yukio Goto

Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

No responses yet