A Vegetariana, Han Kang (RESENHA)

Gabriel Yukio Goto
3 min readJun 28, 2020

“… Eu tive um sonho”, diz Yeonghye, e desse sonho de sangue e escuros bosques nasce uma recusa vista como radical: deixar de comer, cozinhar e servir carne. É o primeiro estágio de um desapego em três atos, um caminho muito particular de transcendência destrutiva que parece infectar todos aqueles que estão próximos da protagonista.

A vegetariana conta a história dessa mulher comum que, pela simples decisão de não comer mais carne, transforma uma vida aparentemente sem maiores atrativos em um pesadelo perturbador e transgressivo. Narrado a três vozes, o romance apresenta o distanciamento progressivo da condição humana de uma mulher que decidiu deixar de ser aquilo que marido e família a pressionaram a ser a vida inteira.

Uma leitura que eu já ansiava há tempos e que mesmo assim eu pouco sabia sobre além de seu título, algo que me impressionou positivamente da escrita da sul-coreana foi o fato do livro ser dividido em 3 partes e em cada uma ser contada pelo ponto de vista de uma pessoa próxima da protagonista: seu marido, o cunhado e a sua irmã mais velha. A gente recebe apenas algumas informações de Yeonghye, os motivos que levaram a levaram ao vegetarianismo e de como isso foi culminando para o seu colapso e das pessoas ao seu redor.

Apesar do título, o livro não defende a causa animal ou nada parecido, não comer carne é apenas uma característica da mulher que acompanhamos. Mas vale observar como essa decisão incomoda todas as pessoas de seu círculo social, principalmente seu marido e pai. Figuras de opressão e domínio sobre ela.

A primeira parte, no ponto de vista do marido ela é tratada como louca por todos que não conseguem compreender as suas escolhas, quem deveria apoia-la acaba negligenciando qualquer apoio. Na segunda, há um princípio de romance entre ela e o seu cunhado, mas é algo que beira o abstrato e o irreconhecível, há passagens lindas, mas também beira o doentio por diversas vezes. A última, pelo POV da irmã, a mais triste e visceral das 3 partes, somos capazes de conhecer mais Yeonghye através da sua irmã mais velha.

A gente não conhecer de fato, a protagonista é a grande cartada desse livro, estamos reféns da opinião de terceiros (o marido, o cunhado e a irmã) sobre todas as suas ações, o único momento em que há voz, é para falar de seus sonhos estranhos e mesmo assim quando ela fala, ninguém se importa de verdade.

As pessoas fingem estar preocupadas com a saúde dela, mas na real estão preocupados apenas com eles e Yeonghye acaba simbolizando essa cisão do normal com a loucura e é isso que os incomoda, porque percebem que não estão felizes, que estão com medo e estão mais próximos da loucura do que da normalidade.

Eu comecei a ler recentemente “Kim Jiyoung, Born 1982” da escritora sul-coreana, Cho Nam-joo e ao menos a ideia se assemelha bastante.

A Vegetariana é um livro intenso, que não se explica e que tem que ser lido com muito cuidado, um estudo sobre a loucura, o livro que abriu as portas do sucesso para Han Kang e com todos os méritos!

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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