Corações Sujos, Fernando Morais (RESENHA)
O Imperador Hirohito acaba de assinar a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial. Em uma colônia japonesa no Brasil, um grupo de nacionalistas se recusa a acreditar que seu país finalmente perdeu uma batalha.
A obra é primariamente sobre a Shindo Renmei, um grupo paramilitar da colônia japonesa no Brasil que se recusava a acreditar na rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial. Além de criar notícias falsas ou manipular verdadeiras para dar a impressão que o Japão estava empreendendo uma campanha vitoriosa, entre 1946 e 1947 os membros do grupo mataram 23 imigrantes que aceitaram a derrota — a quem a Shindo Renmei se referia como makegumi, japonês para “derrotista”. Também conta a história da imigração japonesa, e uma investigação sobre o nacionalismo japonês.
Morais passou cinco anos pesquisando sobre o livro, realizando centenas de entrevistas com sobreviventes e parentes. Lançado em 2000, ganhou o Jabuti de melhor livro jornalístico de 2001.
Tecendo de forma verossímil e surpreendente o estado de São Paulo durante a década de 40 pós-segunda guerra mundial, em especial o interior paulista onde havia maior parte da concentração de imigrantes japoneses.
Antes da guerra, alvos de eugenistas que foram os primeiros a alimentar a a narrativa do perigo amarelo. Durante, com o alinhamento fascista do Império japonês, quem sofreu foram os imigrantes aqui no Brasil (e também nos Estados Unidos) que foram proibidos de falar em sua língua materna (muitas vezes a única em que conseguiam se comunicar), de se reunirem em grande número e o duro golpe de não poderem ensinar a língua e cultura de seus ancestrais para os seus filhos.
Contudo, o pior viria após o fim da segunda guerra mundial e com a rendição do Japão. Muitos japoneses não aceitaram a tal derrota, creditando-a como propaganda estadunidense contra o invencível império japonês. Não se sabe ao certo quem iniciou o boato, mas é fato de que muitos se aproveitaram da inocência dos camponeses para extorqui-los e vender lotes de terras inexistentes em diferentes partes da Ásia em tese conquistada pelo império do sol nascente. O fato é que 80% da colônia (de na época 200 mil pessoas) não aceitaram a rendição e compraram a narrativa do Japão vencedor, afinal era o sonho de todos eles retornarem à terra natal.
Esses seriam os Kachigumi ou vitoristas, posteriormente associados a seita Shindo Renmei, enquanto aqueles que aceitaram a derrota e buscaram seguir as suas vidas normalmente naquele que já consideravam a sua casa foram intitulados de Machigumi, derrotistas ou corações sujos. Houve então durante 1946 até 1947 atentados terroristas e assassinatos de japoneses contra japoneses além de linchamentos feitos por brasileiros.
É uma história insana, real e não-contada. A Shindo Renmei já na década de 40 se fundamentou em fake News, termo e ações que parecem novas, mas são como podemos ver extremamente antigas. O saldo dessa pequena guerra civil dentro da colônia japonesa foi de 31 mil presos, 381 denunciados e 80 expulsos do Brasil fora os 23 mortos e 147 feridos pela associação nacionalista.
Um acontecimento desses e eu só fui ficar sabendo depois de velho, para mim é um absurdo tremendo, pois como paulista e descendente de japoneses, é algo que está ligado a mim diretamente. Isso nos garante ao menos duas coisas: A primeira é de que a história que importa é a europeia e segundo que nas escolas brasileiras nada além disso (até então) valia a pena.
Hoje em dia já há um resgate maior de uma história que seja brasileira, mas longe do ideal e do que nos parece justo.
É um trabalho jornalístico excelente, presente nele cada detalhe importante sobre os acontecimentos que moldaram o cidadão nipo-brasileiro pós-guerra.