Foda-se a sua nipo-descendência
Hmm, descobriu recentemente sua ancestralidade? Passou a vida se considerando uma pessoa branca? Se adequou, por muitas vezes, na minoria modelo? Ok, tudo bem. e o que pode ser feito depois disso?
A verdade é: Bela merda ser de uma minoria étnico-racial e não mudar o seu ambiente. Tipo, onde eu quero chegar dizendo isso? Que bem, ser amarelo no Brasil não foi nenhum sofrimento, pelo menos não para você neto de quem realmente sofreu.
Eu já falei sobre minoria modelo, sobre fetichização, sentimentos de não-pertencimento e tudo isso é uma merda. Contudo, não é o fim do mundo.
Sim, é frustrante ver gente fazendo maquiagem de foxy eyes e teimando que não é algo ofensivo e eu diria que é louvável se revoltar com a xenofobia contra o povo chinês por conta do covid-19, mas pra que servimos nesse mundo?
No Brasil, temos 1% da população descrita como amarelo e a maioria dita como “nikkei” muito por ser maioria, muito porque as pessoas desconhecem ser descendentes de uchinanchus (os povos originários do reino de Ryukyu, Okinawa), além disso é muito cômodo nipo-centrar as pautas de discussões quando há uma bolha inteira se favorecendo disso. Mas sabemos que não há apenas nipo-brasileiros na comunidade amarela e sabemos também que a comunidade asiática é bem mais diversa que isso, há um constante apagamento da luta de asiáticos marrons (eu mesmo as vezes erro nisso, é difícil!)
Então o que eu, um homem cis amarelo nipo-descendente, posso fazer para melhorar esse país? Primeiramente, não adianta falar sobre a vivência de uma pessoa asiática amarela no Brasil sem problematizar a forma como crescemos aqui, não deixamos de ser a minoria modelo simplesmente por nos opormos a ela.
É claro que eu não posso falar por todos, nem pretendo isso, mas enquanto muitos de nós viemos de uma família de classe média, há crianças negras sendo assassinadas pela polícia, eu já fui enquadrado com a polícia com amigos negros, eu sei bem como a abordagem é diferente de uma pessoa para outra.
E antes que me entendam errado, não eu não estou dizendo para pararmos de falar sobre as problemáticas que envolvem a nossa comunidade, mas sim de enfatizar mais os nossos privilégios do que as nossas dificuldades, nós sabemos que tivemos vida boa comparado a 50% da população desse país (até mais), mesmo sendo apenas 1%.
Além disso, voltamos a bater na tecla do nipo-centrismo dentro do próprio movimento que é apenas um embrião, é relevante para nós como um todo incluirmos o maior número de lutas possíveis, o movimento amarelo como ato político é relevante, mas não podemos apagar vivências marrons, ainda mais vivências marrons imigrantes como nossos avós, na minha cidade tive dois prefeitos sírios (e o atual prefeito é filho de um deles, um canalha, mas um canalha marrom).
Eu queria ter nascido 100% branco, com um sobrenome italiano? Sim, queria. Mas realmente não tive minha vida dificultada por ser amarelo com um sobrenome japonês, com traços asiáticos não tão definidos assim. E é absurdo eu falar de racismo, preconceito ou xenofobia, quando no fundo o maior dos meus problemas foi ter sido preterido por algumas garotas durante minha adolescência (ou perseguido também, acontece).
Não estou dizendo que nossas falas, nossas vivências e nossos estudos são desnecessários, só há mais coisas importantes pra se falar do que como é difícil ser da minoria modelo.
Quando falamos de descendentes de asiáticos, temos que debater sobre a intolerância do brasileiro perante ao chinês, de como enxergam asiáticos marrons de pele mais escura como terroristas e tem medo de sírios, palestinos, turcos, enfim…
Também podemos falar sobre as diásporas judias e ciganas? São dois povos que foram expulsos da Ásia há uma dúzia de séculos, vagam pelo mundo bem antes dos japoneses (muitos uchinanchus, sempre importante ressaltar) entrarem no kasato maru.
Não adianta falar sobre ser asiático-amarelo, sobre ser nipo-brasileiro se não for para problematizar essa vivência, para questionar os crimes de guerra cometidos pelo Japão contra outras nações asiáticas, se não for para questionar o seu tio bolsonarista que mesmo morando no Japão sendo um dekasegui fodido votou no Jairzinho. Ou do que, mesmo morando no Brasil e trabalhando numa empresa tipo a Honda ou a Toyota, ainda sim é um ignorante.
Já parou pra pensar que mesmo sendo 1% da população brasileira há 15% de asiáticos nas universidades e vocês se preocupam em serem chamados de inteligentes? Que porra de estereótipo e de reivindicação. Eu dou aula no estado e posso contar nos dedos das mãos quantos alunos se veem na faculdade (e provavelmente particular, com a mensalidade sendo paga pelo trabalho que ele já exerce desde o Ensino Médio).
A pauta tem que evoluir, não adianta falar sobre perigo amarelo e minoria modelo para sempre, ainda mais quando instituições nipo-brasileiras estão cagando e disseminando “japonismos” do século XXI, temos outras coisas mais importantes para nos preocuparmos.
Por isso, eu sempre deixo bem explícito que o nosso papel é de suporte como solidários na luta anti-racista de indígenas e negros, não existe uma competição de opressões, mas se tivesse a gente nem entraria nela. Somos privilegiados, somos minoria, mas nossa opressão é praticamente (ênfase em praticamente) inexistente.
O que eu quis dizer com tudo isso resumido em um último parágrafo conclusivo? De que, sempre que formos falarmos sobre sermos amarelos, não faltemos com uma “auto-crítica” e problematização dos nossos privilégios, que sermos minoria étnica não é relevante quando somos “bem tratados” e sim, temos que sempre falar e não deixar que nossas narrativas percam voz, mas sem gritar mais alto que pautas mais urgentes.