Heróis asiáticos: Brancos?

Gabriel Yukio Goto
4 min readMay 23, 2020

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Sim, é isso mesmo que você está pensando caro Otaku, estou problematizando desenhos.

Há 4 anos em uma aula de língua Inglesa na faculdade, a minha professora trouxe um artigo de 1999 do escritor de Sri Lanka (não sei esse gentílico, perdão) que vive hoje em Hong Kong Nury Vittachi “Why don’t asia’s heroes look asian?” (http://content.time.com/time/world/article/0,8599,2054181,00.html) e eu era o único aluno descendente de asiáticos na turma então foi uma aula que acabou me marcando profundamente.

Nós vemos os heróis shounen mais aclamados no ocidente, Naruto, Goku, o que eles têm em comum que os homens asiáticos como um todo não tem?

“Analisando esse problema me levou a considerar uma pergunta que outros asiáticos talvez já tenham feito para si: Com tudo equalizado, eu preferiria ser branco? Sim, eu respondo, chocando a mim mesmo. Todos os homens querem ser heróis. Todos os heróis são brancos. Fim de argumento.” (VITTACHI, 1999)

Em meu primeiro ano do Ensino Médio fui expulso da sala e a minha escola se dizia “adepta” do método Paulo Freire, então deixavam os portões abertos. Eu saí e fui até uma loja de mangás que ficava alguns quarteirões abaixo, foi a primeira vez segurando um mangá aos 14 anos, virou um vício e eu comprava vários por semana, guardava o dinheiro que minha mãe dava pra eu comprar um lanche e comprava mangás, hoje já não tenho nem ¼ do que tive, doei a maioria para escolas que estagiei, mas lendo tantos mangás durante a minha adolescência eu olho os argumentos do Vittachi e concordo.

Todos os mangás que eu li, o clássico estilo consagrado pelo mestre Osamu Tezuka, dos olhos redondos por conta da sua admiração à Disney, mas ao mesmo tempo que ele consagrou os mangás, os mangakas que vieram depois apenas fortaleceram a ideia de que os protagonistas eram todos brancos e — sim, algumas histórias se passam na Europa ou coisa parecida, mas são minoria.

Essa semana tivemos o desafio #SailorMoonRedraw e eu vi dois excelentes desenhos com a Usagi Tsukino versão realística e ela possuía os seus traços asiáticos, levantou-se o debate sobre ela ser ou não asiática. Pensei que era óbvio o que ela era.

Eu sou um grande fã de Avatar: The Last Airbender que apesar de ser um desenho estadunidense é muito fiel a suas influências na cultura asiática, sendo as dobras inspiradas em artes marciais e o povo de Avatar baseado em povos asiáticos, do Tibet, China, Japão, os povos Inuits e até mesmo da Índia (Guru Pathik). Todavia, constantemente há postagens debatendo o óbvio: colocam um ator ou atriz branca (ou a Zendaya, mas nenhum problema com ela) com a seguinte legenda: dariam um bom personagem no live-action?

Não, não daria.

Em 2016, na aula que gerou todo esse embate na minha cabeça, o meu mangaka favorito, Naoki Urasawa, me presenteou com a obra-prima dos mangás na minha opinião: 20th Century Boys, não há na literatura dos quadrinhos japoneses obra melhor que essa e começa pelo seguinte motivo: Os personagens parecem asiáticos.

Em seu artigo, Nury diz que a própria Disney respeita melhor a etnia de seus personagens do que os mangakas japoneses e chineses (lembrando que o artigo é 99) até pouco tempo atrás não se falava absolutamente nada sobre o assunto, a nova geração cresceu e a gente busca essa voz que antes não tínhamos.

Batemos na tecla de representatividade, mas como buscar por representatividade dos filhos, netos e bisnetos de imigrantes se nem na terra natal dos nossos ancestrais há semelhanças?

É importantíssimo que não lutemos por esse apagamento dentro do nosso próprio não-lugar, existem personagens de mangás e animes que são sim brancos, europeus e etc assim como há personagens negros também, mas acredito que seja claro para todos nós que se for uma história que se passa em Tóquio como é Sailor Moon, mesmo ela sendo loira, ela tem nome de japonesa, nasceu e vive no Japão, logo ela é japonesa mesmo sendo loira sabe-se lá o por quê.

Há um constante desrespeito com o que somos, trabalhei por 3 anos no comércio e eu nunca me esqueço do dia que um cliente chegou para mim e proferiu a seguinte frase sem um pretexto nenhum: “sabia que os japoneses fazem cirurgias nos olhos e pintam o cabelo de loiro para se parecerem com americanos?” Na época, meu cabelo era platinado e eu nunca tive os olhos tão puxados como a maioria dos descendentes têm. Gatilhos.

O nosso papel em uma solidariedade antirracista é o de suporte a etnias mais prejudicadas, isso é um fato, mas estamos sempre sendo testados e menosprezados, os brancos adoram chaveirinhos amarelos e os nossos pais e tios souberam ser chaveirinhos melhor do que ninguém.

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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