Kim Ji-young, Cho Nam-joo (RESENHA)

Gabriel Yukio Goto
4 min readJun 30, 2020

Sinopse: Kim Ji-young, uma mulher normal na casa dos 30 anos, de repente mostra sinais de ser habitada por outras pessoas, como sua mãe e irmã mais velha, e as histórias das pessoas ligadas a ela.

É um livro que vem sendo polarizado — e por si só essa polarização já o mostra como importante ferramenta ao combate ao patriarcado — o livro fala sobre a vida de uma mulher comum, levando uma vida comum, mas todos os seus obstáculos em uma sociedade hiper-machista e misógina.

Ainda hoje, há um senso comum de que o Japão e a Coreia do Sul sejam paraísos na terra, o que está longe de ser verdade e a raiz de todos esses problemas eu nem preciso dizer que é o capitalismo, certo?

Em seu lançamento no ano de 2016, o livro gerou muita polêmica por alas conservadoras e ditas “anti-feministas” na Coreia do Sul, o mesmo ocorreu com o lançamento da adaptação cinematográfica ano passado e agora o livro é um sucesso no mundo inteiro, mas ainda não tem uma tradução para o português.

Uma das avaliações que vi na Amazon após terminar a minha leitura era uma de um cara que deu 3 estrelas e ele dizia da seguinte forma “queria entender mais como ela enlouqueceu, mas o livro vai e conta a vida dela inteira” sendo que a vida inteira da Kim Ji-young é motivo para ela “enlouquecer”.

Isso por si só já mostra como é um livro necessário, as pessoas pouco se interessam no que as mulheres fazem que não é focado em agradar o público masculino, vi hoje algumas postagens falando sobre aquele escroto do Dan Bilzerian, que possui milhões de seguidores (muitos milhões) e é um completo idiota.

O livro começa com ela, o marido e a filha pequenina indo visitar a família dele em Busan. Depois disso, o livro revisita toda a sua vida da infância até o seu casamento com Dae-hyun.

E desde o seu nascimento, em 1982, a sul-coreana nascida em Seul vivenciou não o patriarcado, mas a pura misoginia da sociedade, começando dentro de casa com o tratamento diferenciado que o irmão caçula recebia simplesmente por ser homem, na escola, faculdade e no mercado de trabalho.

Não houve um momento de sua vida que Kim Ji-young não foi abusada, física ou psicologicamente, culminando com uma depressão pós-parto, mas não foi ter um bebê que a fez entrar nesse estado, mas sim todas as experiências que culminaram para esse momento da sua vida, aos 34 anos e sem perspectiva de vida, apesar de todos os seus planos na juventude.

Creio eu que seja um livro de leitura fundamental, muito mais para homens do que para mulheres. Elas já sabem e provavelmente vivenciaram muito dos momentos descritos no livro, mas nós homens por mais cientes que somos dos nossos privilégios temos — como um todo — uma dificuldade imbecil de melhorarmos.

É claro, não é com a atitude de um outro que melhoraremos, mas com a derrubada de um sistema que oprime e ceifa sonhos de mulheres há mais tempo do que podemos lembrar.

Durante essa leitura, me veio em mente outros livros que contextualizavam um problema que afeta o mundo inteiro, a Silvia Frederici em seus livros fala de como o trabalho doméstico é inviabilizado e colocando a mulher como mães e donas de casa, mas não como concorrentes num mercado de trabalho machista que boicota oportunidades priorizando homens (no Ocidente, homens brancos).

Me lembrou a também sul-coreana “A Vegetariana” da Han Kang, a forma como a mulher é vista pelas pessoas ao seu redor e de como ela vai “enlouquecendo” por conta dos estímulos negativos do ambiente em que ela vive. Duas formas completamente diferentes de dizer isso, mas duas formas muito efetivas, enquanto a Vegetariana parte para o lúdico, Kim Ji-Young nos mostra a crueza da realidade.

São dois livros que valem a pena ser lidos e estudados não só como parte de uma literatura coreana contemporânea, mas como uma literatura global, pois tratam de problemas que afetam não apenas as mulheres sul-coreanas, mas de praticamente todos os países do mundo.

“Enquanto os agressores tinham medo de perder uma pequena parte de seus privilégios, as vítimas corriam o risco de perder tudo.” Cho, Nam-joo.

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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