Newkeis são Weaboos, morte à cultura Kawaii
Nas vésperas do 112º aniversário da imigração japonesa no Brasil, a Bunkyo com o patrocínio de diversas empresas e incluindo até a embaixada japonesa e o consulado de SP, a comemoração do dia internacional Nikkei, isto é, o dia dos descendentes de japoneses ao redor do mundo.
Aqui no Brasil, o primeiro navio chegou no dia 18 de junho de 1908, e segundo a produtora cultural Julynha Toys — que é considerada uma “newkei”, a cultura nikkei é: “sinônimo de kawaii, elegante, charmoso, profundo e solidário.” E é extremamente problemático darmos alguma moral para esse tipo de pessoa, principalmente quando se diz que alguns “newkeis” até falam japonês melhor que vários descendentes.
Por ser exótica para os padrões brasileiros, a prática de algo originário da cultura japonesa faz com que o indivíduo se “torne um japonês” ou se “sinta um japonês”. Alguns pesquisadores têm propagado o termo japonesidade para denominar as diversas possibilidades de qualquer indivíduo se “tornar japonês”. Interessante notar que as japonesidades podem até tornar possível que um não-descendente seja “mais japonês” do que um descendente de japoneses[9]. Com a adesão cada vez maior de não-descendentes às japonesidades, estamos vendo surgir uma “Comunidade Nipo-Brasileira Ampliada” (MACHADO, 2011; PRATA, 2010, p. 12).
Japonesidade não é diferente de Orientalismo, então fica a recomendação do livro do palestino Edward Said de como o Ocidente, brancos, enxergavam as diferentes nações e etnias asiáticas de forma exótica, fetichizante e que variava dependendo do intuito. O perigo amarelo foi construído em torno de uma ambiguidade. Poderíamos ser ruins ou bons quando melhor conviesse. Dessa forma se solidificou também o mito da minoria modelo.
Então, fica idiota pensarmos numa comunidade nipo-brasileira ampliada, visto que crescendo como um birracial, a incerteza e o sentimento de não-pertencimento eram gigantescas e é uma piada ver pessoas sem nenhum laço sanguíneo que os liguem ao Japão se apropriando de uma cultura que não os diz respeito, a deturpando e a ridicularizando.
Afinal, o Japão tá longe de ser “kawaii”, tem crimes de guerras terríveis e um etnocídio contra suas minorias indígenas vergonhoso, a cultura japonesa vai muito além dos animes, então não importa quantos mangás em japonês você leia, você não vai ser asiática. Não adianta não viver a diáspora e querer viver do glamour fetichista que nos rodeia.
Houve um apagamento cultural durante o século XX e com o afastamento dos descendentes das colônias dos primeiros imigrantes e é doloroso para as gerações mais novas descobrir que dependem de não-asiáticos para manter viva uma falsa percepção de cultura.
Claro, não me entendam mal, não há nenhum problema em ser otaku. Eu já até fui um dia, mas chega um momento que o fascínio beira o estúpido e quando se tenta venerar algo e acaba só simplesmente ofendendo. Não sei nem se chega no caso de ser apropriação cultural, visto que como eu já disse nossa cultura vai muito além dos animes e culinária, mas puramente um desrespeito.
Não estou escrevendo isso para ditar o que os weaboos (me recuso a utilizar o termo newkei) façam ou deixem de fazer, vou para um lado de desabafo-reflexão de como deixamos isso acontecer, nossos pais, tios e avós se assimilaram completamente na cultura brasileira, somos de fato brasileiros, mas somos nós os eternos moradores do lugar-nenhum, dessa forma, deveríamos ser nós a ponte entre essas duas culturas.
Eu comecei a escrever esses textos em abril, pelo tédio da quarentena e a necessidade de produção, em meus textos eu já falei sobre orientalismo nas experiências socialistas da Ásia, de vivência nikkei birracial, haicai, a diáspora e a representatividade no cinema e na literatura e como escritor hoje eu enxergo a necessidade urgente disso. Eu acho fenomenal a ideia de que tenham pessoas escrevendo sobre asiáticos, falando sobre asiáticos e se inspirando na cultura milenar, mas eu também quero fazer isso pela minha ótica diaspórica.
Por isso, é preciso deixar bem claro que amantes da cultura japonesa não são “nikkeis não-descendentes”, isso é completamente impossível e deveria ser tratado como a piada que é, da mesma forma do fã de metal que se acha um viking nórdico e por aí vai, o problema são as associações — que deveriam preservar a tradição — dando palco pra maluco quando poderiam utilizar do espaço e do alcance para propor debates muito mais pertinentes do que a cultura kawaii.
Enfim, acredito que seja isso, se eu for parar pra pensar talvez tenha novas ideias, mas o cerne da questão está todo aqui, mesmo que de uma forma precária. Há vida nikkei fora do bairro da liberdade, há muitos nikkeis que dedicam suas vidas para frear o apagamento cultural e outros que tentam reconquistar laços perdidos por diversos motivos diferentes. Não é justo tomarem o nosso lugar e achar que está tudo bem, pois não estará.
Referências: