O Orientalismo em: O Silêncio, Shusaku Endo (RESENHA)

Gabriel Yukio Goto
3 min readJun 28, 2020

Silêncio é o mais importante romance de Shusaku Endo. Conta-nos a história do padre Sebastião Rodrigues, que em 1640 embarca rumo ao Japão determinado a ajudar os cristãos japoneses, brutalmente oprimidos, e a descobrir a verdade sobre o que aconteceu ao seu antigo mentor.

Estou em uma “cruzada” para ler mais da literatura japonesa e asiática no geral e Shusaku foi um nome que me chamou a atenção pela sua biografia, cristão no Japão não deve ser fácil. Beirando ao inútil. Uma boa ficção histórica necessita uma figura heroica. O padre Rodrigues está longe de ser um herói, se quer carismático. Conhecendo o que o cristianismo fez na África e América, o Japão fez mais do que certo em proibir a crença estrangeira. Os europeus teriam feito o mesmo se fosse o contrário.

Nisso, entro em dois aspectos importantes de “O Silêncio” livro adaptado para o cinema pelo lendário cineasta Martin Scorsese, em um filme de reações mistas pelo público e crítica.

Contudo, algo que eu não vejo nas resenhas que li ou assisti é o Orientalismo presente na narrativa, tudo bem que metade do livro são cartas escritas pelo padre português Sebastião Rodrigues (e que essas cartas estão presentes na Biblioteca Nacional de Lisboa) e que assim como os viajantes aqui na América, eram textos cheios de racismo para com os nativos daquela terra.

Os japoneses são retratados como sanguinários e sádicos, como se na mesma época (o século XVII) não houvesse na Europa a Inquisição queimando bruxas e o extermínio indígena nas américas.

No Japão a prática de tortura era inevitável por conta do cristianismo ser uma “religião de mártires” então matar não adiantaria. Reconheço a brutalidade, mas não consegui ter nenhuma empatia pelos padres portugueses da história. Ainda mais quando já era proibido a execução de sua fé naquela terra e mesmo assim eles insistiram em ir até lá. Essa insistência foi a causa de derramamento de sangue inocente.

É um livro sofrido de ler, mas não porque eu me compadeci do sofrimento dos padres, mas sim porque eu já não aguentava mais ter contato com personagem tão insosso, apesar disso, nos últimos capítulos depois de muito tempo em solo japonês, passei a ter certo carinho pelo Padre Rodrigues, principalmente quando ele passa a questionar a sua própria fé, algo que eu também tive.

“O Silêncio” nos remete aos católicos japoneses que praticavam a sua fé clandestina, mas também ao silêncio que vem dos céus, um questionamento quase que padrão quando se fala de fé e Deus seria o “se Deus existe, porque ele não acaba com a fome?”. Então esse silêncio nos remete a tal onipotência divina.

Mesmo depois disso, no século XVI o Japão chegou a ter 300 mil convertidos ao cristianismo e com a proibição da religião no século XVII vários mártires viraram santos japoneses reconhecidos pelo Vaticano e no século XIX com a restauração Meiji ainda havia comunidades cristãs principalmente em Nagasaki, o que impediu que o cristianismo voltasse a crescer foi a bomba atômica em 1945 na cidade com maior incidência cristã.

Apesar de todas as minhas críticas, não é um livro ruim, é bem escrito e bem fundamentado como toda boa ficção histórica, o meu grande problema foi referente ao tema e a forma como ele foi trabalhado, se tivesse que dar uma nota seria 3 estrelas.

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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