Patriotismo (1966, cena do filme protagonizado pelo próprio Mishima)

Patriotismo, Yukio Mishima & Quem São Mishimas?, Victor Kinjo (RESENHA)

Gabriel Yukio Goto
4 min readJul 7, 2020

Sinopse: “O japonês Yukio Mishima (1925–1970), considerado um dos mais importantes autores do século XX, viveu apenas 46 anos, quando, após liderar a rendição de um comandante, cometeu suicídio nas dependências do quartel militar de Tóquio, produzindo uma impressionante cena, digna de cinema. Foi quem teve o fim mais espetacular entre os mais notáveis colegas de ofício. Muitos tiraram a própria vida, mas Mishima desejava, antes de tudo, a simbologia da morte heroica.

É esse sentimento rebelde e ritualístico que encontramos em seu conto Patriotismo, escrito em 1960 e reconhecido pelos críticos como uma obra-prima mundial. O foco da narrativa está no lado mundano da existência, mesclando beleza, intensidade e paixão. Em acontecimentos que se desenrolam durante três dias, com passagens de cunho autobiográfico, o escritor faz a descrição vívida de um ritual de haraquiri.

Com atraente projeto gráfico, este box inclui, além do conto, o volume Quem são Mishimas?, perfil biográfico do autor japonês, escrito pelo especialista Victor Kinjo e enriquecido com uma bela seleção de fotos. Dentre outros aspectos importantes da vida de Mishima, Kinjo narra a temporada em que o autor esteve no Brasil, em São Paulo e no Rio, onde passou o Carnaval de 1952. A festa popular o marcou para sempre, influenciando, inclusive, a sua visão mais íntima da vida, como relata em seu diário de viagem.”

Yukio Mishima é, sem dúvida, tão talentoso quanto foi polêmico. Um fascista extremo, mas talentoso, até que ponto é possível dissociar a vida e a obra do autor? No caso de “Patriotismo” é impossível. O próprio autor indica esse conto de menos de cinquenta páginas como obra máxima presente seus pontos positivos e negativos enquanto escritor.

O que é uma verdade.

Falando sobre o conto, não há nada mais visceral e apaixonante quando a forma como Mishima escreve, desde Confissões de uma Máscara, é possível enxergar São Sebastião no Tenente Takeyama prestes a cometer o seppuku. A forma como Reiko é devota e se entrega da mesma forma, longe das convenções ocidentais onde o sexo por prazer é pecado (e o suicídio também).

O casal rememora a noite de núpcias, talvez ainda com mais fervor e paixão do que na primeira vez (era a última, afinal) e depois toda a preparação para a cerimônia do harakiri.

A forma como Yukio Mishima escreve é, de longe, uma das que mais me chama a atenção, toda a poética que envolve a sua prosa. Imagino quão complexo deve ser traduzir um livro seu, méritos para o tradutor de suas obras, desse conto no caso o Jefferson José Teixeira, simplesmente um trabalho vital.

Deixarei aqui também o curta-metragem (protagonizado pelo próprio autor) dessa história no mínimo interessante.

Patriotismo ou Rito de Amor e Morte (Legendado)

Agora, falando sobre o ensaio “Quem São Mishimas” escrito pelo pesquisador Victor Kinjo, é possível tentarmos compreender um pouco mais sobre tão controversa figura como foi o Yukio…

Dividido em 4 partes, esse ensaio tenta buscar na complexidade e contrariedade da figura criada Kimitake Hiraoka (Yukio Mishima era seu pseudônimo) escritor, dramaturgo, ator, atleta.

Uma vez eu ouvi no estágio de um professor de língua Portuguesa de que ele acreditava que a mente, o espírito e o corpo deviam crescer juntos em equilíbrio, provavelmente ele não conhecia Yukio Mishima, mas tenho certeza de que ele concordaria (em partes) com o que defendia o japonês.

hipernacionalista, era politicamente controverso, em suas primeiras obras como Confissões de uma Máscara e Cores Proibidas (o primeiro eu li 2x o segundo eu peguei pra ler e não dei continuidade, mas os dois estão presentes na biblioteca municipal, então um dia eu releio) ele trata da homossexualidade pós-ocidentalização, a visão de “doença” trazida pelo ocidente. Porém, em seus estudos há a confirmação de que era uma prática aceita e até incentivada pelos samurais.

Arquitetando até mesmo a própria morte, o seu conto e curta-metragem Patriotismo é um pequeno prólogo do que ele mesmo viria a cometer, o conto sendo lançado em 1960 após se inspirar nos acontecimentos reais do duplo-sacrifício de Reiko e Takeyama e o filme de 1966 anos antes de seu próprio harakiri, mas aí ele não levava consigo a sua esposa como o tenente de sua história, mas o seu amante.

Yukio Mishima tem uma vasta obra polêmica em quase todos os sentidos, questionadora, mas poética. Eu, Gabriel Yukio Goto, de ideologia oposta (eu, um marxista, comunista — ele um nacionalista fascista) consigo ainda nutrir certa admiração pela obra criada por esse personagem da cultura japonesa.

É impossível dissociar a obra de um autor, como sugeriu o filósofo Roland Barthes, não dá para matar Mishima, pois a sua obra está impregnada dele. Porém, é possível ler criticamente os seus livros, buscando extrair os pontos positivos e sem deixar de lembrar a figura estranha que foi Yukio Mishima.

Confesso, que a primeira vez que vi o seu nome na Biblioteca, que peguei Confissões de uma Máscara em mãos, foi um choque por ver o mesmo nome que eu carrego na certidão de nascimento (mesmo que não seja o seu nome de verdade, tornou-se) e pela carência de xarás, o adotei.

Mesmo após compreender (ou não) as suas complexidades, ainda sim o mantenho próximo, foi um estranhíssimo desgraçado? Foi um estranhíssimo desgraçado, o seu talento apaga tudo que ele defendeu? Não apaga, mas eu consigo perdoá-lo parcialmente enquanto tenho um livro seu em mãos.

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Gabriel Yukio Goto
Gabriel Yukio Goto

Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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