Rina Sawayama e o não-pertencimento amarelo
A nipo-britânica Rina Sawayama lançou em 2020 o seu álbum de estreia recebendo elogios até mesmo do Sir Elton John, parecia mais do que óbvio de que ela estaria nas grandes premiações ao menos do Reino Unido, não foi o caso. Sawayama é ilegível para os dois principais prêmios da indústria fonográfica britânica. O motivo: ela é imigrante.
Ela canta em inglês, produziu na Inglaterra, ela nasceu no Japão e se mudou aos cinco anos com os pais para lá, mesmo morando 25 anos em Londres ela não é inglesa. O que ela é então? Há duas grandes problemáticas nisso e eu como birracial e filho de dekaseguis entendo bem.
Eu nasci no Japão, vim para o Brasil com aproximadamente 3 anos, mesmo assim eu nunca nem fui considerado japonês pelo governo japonês que baniu dupla nacionalidade, mas nem sempre fui considerado como um brasileiro nascido no exterior. Nisso eu me pergunto, como que um país que manda milhares de pessoas para fora, Brasil, Estados Unidos, Havaí, Peru, Argentina, México… como que é possível banir a dupla nacionalidade de um povo, como se ser nikkei significasse algo, se aliviasse o nosso vazio e o sentimento de não-pertencimento.
Então o primeiro erro está aí: Da mesma forma que os meus avós não foram considerados brasileiros a primeiro pisar aqui nessa terra, o meu pai não foi considerado japonês ao pisar no Japão.
O problema maior foi enfrentado pelos pais de crianças nascidas no Japão e em países que não dão nacionalidade aos filhos de estrangeiros: filho de brasileiro que nasce no Japão não é japonês, inclusive os filhos de nikkei sem dupla cidadania. Criou-se assim uma pendência para essas crianças que, em vez de certidão de nascimento, passaram a possuir um passaporte provisório até a maioridade, o qual não tinha nenhum valor como prova de nacionalidade. Em suma, eram crianças sem pátria e cidadania efetiva. Crianças que perderam o direito nato da nacionalidade brasileira e que não possuíam a nacionalidade japonesa. Logo que houve essa mudança na lei, os próprios pais não perceberam as consequências de tal modificação constitucional: além de um registro provisório em embaixadas ou consulados brasileiros e a transcrição desse registro no Brasil, aqueles que nasceram no exterior precisariam esperar completar os 18 anos, morar no Brasil e entrar na Justiça para conseguirem ser brasileiros. (pg 8, MELLO, 2010)
Eu cresci uma criança apátrida sem mesmo perceber e posso me identificar com a dor da Rina nesse momento de ser negligenciada por detalhes imigratórios, Rina é considerada japonesa mesmo morando 95% da sua vida em solo britânico, é uma eterna diáspora sem sentido.
Quanto maior a relevância da “etnicidade”, mais as suas características são representadas como relativas fixas, inerentes ao grupo, transmitidas de geração em geração não apenas pela cultura e educação, mas também pela herança biológica, inscrita no corpo e estabilizada, sobretudo, pelo parentesco e pelas regras do matrimônio endógeno, que garantem ao grupo étnico a manutenção de sua “pureza” genética e, portanto, cultural. (HALL apud MELLO)
Existe uma forma desleal de se tratar tradição, origem e herança cultural, o Japão fechado para as minorias sociais e de caráter imperialista aceitou brasileiros na necessidade de uma mão de obra barata, mas parou por aí. Os primeiros imigrantes japoneses para a América sonhavam em retornar para a terra Natal, muito de seus descendentes diretos voltaram e já não são mais considerados japoneses, mesmo tendo nome, os traços e até mesmo sabendo do idioma e da cultura.
A segunda problemática está já no Reino Unido, entendemos que é um prêmio de caráter nacional, mas um país colonialista deixou cicatrizes no mundo inteiro, logo quem são eles para determinar quem é ou não britânico?
Kazuo Ishiguro venceu o Nobel de Literatura em 2017, um prêmio internacional de muito prestígio, nas notícias na época eu realmente me empolguei com ele, porque me identifiquei com a pessoa que nasceu no Japão e mudou de país ainda bebê, eu também posso alcançar Ishiguro um dia.
De qualquer forma, quando ele recebeu o prêmio sempre foi creditado como nipo-britânico e com razão, afinal ele de fato é pertencente dessas duas culturas, em 1989 ele ganhou o Booker Prize com Vestígios do Dia, o prêmio mais importante da literatura em língua inglesa concedido pela academia britânica, ao menos na literatura as coisas parecem mais justas, né?
Em 2010 quando Oscar Nakasato ganhou o Jabuti de melhor livro do ano com Nihonjin existiu a polêmica de jurados que prejudicaram outros livros, mas por acaso a história de um nipo-brasileiro não seria relevante o suficiente para ganhar sem polêmicas?
Estamos em um eterno limbo, não somos brasileiros o suficiente e não chegamos nem perto de sermos considerados japoneses, é quase como se não existíssemos, que não fossemos necessários nesse mundo, não consigo entender o meu lugar.
A Rina não precisa estar disputando esse prêmio enfadonho para se provar uma grande artista, mas seria muito relevante para nós filhos dessa diáspora.
A França ganhou a Copa do Mundo de Futebol em 2018, o seu bi-campeonato se deu nas costas de imigrantes e filhos de imigrantes ao mesmo tempo em que o congresso francês dificultava o acesso de gente como os heróis do campo. É assim que os governos ocidentais veem imigrantes, como descartáveis e que o interesse só importa se eles estiverem sendo úteis.
Tenho certeza que se a Rina chegar a ganhar algum prêmio internacional pelo seu álbum de estreia, haverão britânicos dessa indústria tóxica querendo surfar na onda de seu sucesso.
Referências:
LEWIS, Isobel. Rina Sawayama ‘heartbroken’ at being ineligible for Mercury Prize and Brit Awards. 29 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/music/news/rina-sawayama-mercury-prize-brit-awards-album-snub-nominations-a9643591.html> Acesso em: 29/07/20.
Mello, Clélia. TOZAI, TOZAI: Os dekasseguis nos movimentos diaspóricos japonês e brasileiro. Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, Florianópolis, ago. 2010.