Max “Xianh”
Max “Xianh”

Sentimento Anti-Asiático, Orientalismo, Xenofobia, Racismo ou tudo?

Gabriel Yukio Goto
4 min readJan 13, 2021

É necessário finalizarmos certos debates para podermos iniciar outros, o dito movimento amarelo no Brasil é embrionário, um feto que, diferente do que dizem certos religiosos, não é uma vida formada. Quanto antes aceitarmos isso, melhor.

Então, qual é a nossa função enquanto comunidade? Primeiro de tudo, estudar. Se conscientizar além de threads do twitter, nada contra até já fiz algumas, porém é necessário irmos além. Se não, melhor nem começarmos. Estudando, nosso papel é de dialogar com os nossos iguais, parentes mais velhos ou primos de idades próximas, principalmente os mais novos. Além, é claro, da comunidade virtual que preenche uma bolha.

Porém, não podemos veicular a falsa ideia de que ela seja relevante, somos a minoria de uma minoria modelo, o homem asiático cisgênero e heterossexual (normalmente japonês) possui privilégios evidentes em nossa sociedade em troca de uma singela servidão à branquitude.

Primeiro é necessário entender como nossos avós, bisavós ou tataravós imigraram para o Brasil (fossem eles japoneses, chineses ou coreanos): guerra. Eles vieram parar aqui fugindo de guerras, da fome e, ao menos os japoneses, vieram para cá descartados pelo Imperador. Com a falsa promessa de que faziam parte de uma missão pelo bem da Nação. Não faziam.

Feita essa introdução, você consegue traçar uma diferença entre o sentimento anti-asiático (nesse caso, aos amarelos do leste-asiático), o orientalismo e xenofobia? É possível fazer algo, com muito malabarismo, mas tudo isso é a raiz de um mesmo problema. É racismo.

No século passado, houve um forte esforço para dificultar a entrada de mais japoneses no país, antes mesmo de considerarem o Japão como inimigo de guerra, em 1933 foi aprovada a lei que colocava um limite reduzido de imigrantes por anos. Foi também o ano que um dos meus bisavôs veio para cá, o outro veio alguns anos depois fugindo da guerra. Dá pra dizer que foi um sortudo.

Segundo Machado (2011) as “japonesidades” transbordam fenótipos, existe hoje uma “japonesização” do não-descendente e uma “desjaponesização” do descendente. Nessa troca, é possível ouvirmos absurdos como “Otakus fazem mais pela cultura japonesa do que os nikkeis” o que é um tanto injusto quanto mentiroso.

O descendente de asiático, hoje, tem que lidar com as suas questões pessoais causadas pela sua descendência, o sentimento de não se sentir pertencente e ainda lidar com a tentativa de apropriação cultural por parte de uma maioria branca. Por esse motivo, já fica evidente que asiáticos são uma minoria racial, com privilégios sim, mas com questões à serem debatidas.

“O otaku brasileiro constrói um tipo de japonesidade que se cruza inesperadamente com outras japonesidades derivadas da presença japonesa no Brasil.” (MACHADO, 2011)

Um praticante de judô, ou um viciado em desenhos, não se torna mais japonês que algum neto de japonês, a verdade é que ambos são brasileiros. Um, descendente e o outro descendente de alguma outra cultura (muitas vezes sem sal, como se dizer descendente de portugueses ou espanhóis).

Forçar uma “japonesidade” como se isso fosse algo possível é enganoso e é só uma forma do brasileiro se apropriar de algo que não é deles e continuar tratando o descendente como estrangeiro, mesmo não sendo de fato. Além de possibilitar atrocidades como a de Max (destaque na foto), notícia de 2014:

“Um brasileiro diz ter se submetido a 10 cirurgias plásticas para ficar com aparência asiática. Além das intervenções cirúrgicas, Xiahn, 25, que antes da transformação se chamava Max, escureceu os cabelos e passou a esconder os olhos azuis com uma lente de contato escura”

E como diz Kikuti (2020) em seu texto publicado no Medium:

Falando do contexto racial, ser asiatique-brasileire quase sempre inclui ser estigmatizado, englobado no imaginário coletivo como minoria modelo ou como perigo amarelo. Corremos o risco de nos sentirmos inadequados, não pertencentes. Podemos nos pressionar para fazer parte, para nos sentirmos aceitos, para fugir ou minimizar essa cobrança externa.

São problemáticas que um brasileiro “japonizado” nunca irá passar e muitas vezes irá ajudar a propagar esse sentimento de não-pertencimento, muitos descendentes não cresceram dentro de uma dita “colônia” outros são de lugares distantes de São Paulo e por isso se tornam “exóticos”, portanto, dizer que asiáticos no Brasil não sofrem racismo é uma certeza vazia.

É claro que precisamos saber diferenciar os diferentes tipos de racismo cometidos pela branquitude, por sinal o amarelo no Brasil (e muitas vezes os marrons também, como os sírios e libaneses) são vistos como uma minoria modelo, que conseguiu alcançar o sucesso apesar das dificuldades. Essa mentira racista ajuda a prejudicar outras minorias raciais (como negros e indígenas).

Por isso, quanto mais descendentes falarem sobre o assunto e se posicionarem (de maneira coesa e coerente), melhor será num âmbito antirracista, não sofremos o mesmo tipo de opressão, mas desvencilhando nossa imagem que está ligada com a branquitude (por gente como Kim Kataguiri) iremos nos tornar valiosos aliados.

É algo interminável, mas se eu posso dizer algo no momento, é de que como comunidade primeiro precisamos nos educar, aprender sobre as nossas raízes ancestrais, mas também sobre as raízes que nós construímos ao longo da nossa vivência. Estudaremos, nos educaremos a nós mesmos e aos nossos iguais e dessa forma, seremos muito mais úteis do que se tentarmos sermos aceitos “à força”. Se não falarmos primeiro com o asiático banana, de nada adiantará.

REFERÊNCIAS

Como um estereótipo pode afetar a autoestima e como isso se relaciona com ser asiática-brasileira. | by Karina Tiemi Kikuti | Medium

MACHADO, Igor José de Renó (Org.). Japonesidades Multiplicadas: Novos estudos sobre a presença japonesa no Brasil. São Carlos: EDUFSCAR, 2011.

Brasileiro faz cirurgias plásticas para ficar com aparência asiática— Veja mais em https://noticias.uol.com.br/tabloide/ultimas-noticias/tabloideanas/2014/06/02/brasileiro-faz-cirurgias-plasticas-para-ficar-com-aparencia-asiatica.htm?cmpid=copiaecola

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Gabriel Yukio Goto
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Written by Gabriel Yukio Goto

Asiático-brasileiro, libriano, escritor e poeta. Formado em Letras e com 2 livros publicados.

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