The Half of it, Tigertail & A Diáspora Amarela
Acabei de assistir Half of It (Você nem imagina) e o filme me deu vontade de escrever, então talvez esse texto seja uma resenha sobre o filme, mas quero que seja mais sobre isso.
Dirigido e roteirizado pela Alice Wu, acompanhamos a vida da Ellie Chu, uma imigrante chinesa (lembrando que as leis de imigração são bem mais rígidas nos EUA beirando a idiotice estadunidense) que vive em uma cidade pequena e é tímida, porém muito inteligente.
Para conseguir um dinheiro extra ela escreve redações para os outros alunos, que apesar de contratarem os seus serviços, a excluem por ela ser a “outra” como eu já falei aqui em um texto sobre “A Agonia de Eros” do Byung-chul Han. Ela é sempre excluída e humilhada por todos, distorcendo o seu sobrenome e o trabalho do pai (que acaba sendo o dela também).
Paul, um jogador de futebol americano acaba indo atrás dela para contratar o seus serviços para escrever uma carta de amor para Aster Flores, o interesse amoroso dos dois protagonistas.
Falando sobre os 3, eu gostei muito de como eles foram desenvolvidos e de como são verossímeis e o fato do Paul não ser interpretado pelo Noah Centineo é uma benção. Gostei muito do roteiro, os diálogos são muito bons e eu consigo comprar essa ideia. De algum modo, eles representam 3 famílias muito diferentes: A religiosa, a família bagunçada e a família imigrante (e também solitária).
Sobre o relacionamento amoroso centrado no filme, logo no início da trama temos uma pequena dica do que é, mas para quem não leu ou assistiu a adaptação do filme “Vestígios do Dia” do Kazuo Ishiguro, autor nipo-britânico que conquistou o Nobel de Literatura em 2017 a Aster Flores fala de como ela adora o livro e “todo aquele desejo reprimido”, não precisa ler o livro para entender o que se dá a entender quando ela diz isso, mas é ainda melhor quando você tem essa referência. Fica a recomendação.
Não vou falar se foi mais ou menos representativo para a comunidade LGBT, talvez pudesse ter sido mais, de fato, mas você não pode dizer que o filme não seja representativo. É emblemático que ele tenha sido lançado no meio de uma pandemia onde as pessoas acusam, injustamente e de forma grotesca, a China por algo que já foi provado ser mentira.
O pai de Ellie é um doutor em engenharia que, querendo ou não, caiu no conto do sonho americano que teria uma chance de obter sucesso na terra de oportunidades, contudo a sua deficiência em falar a língua inglesa o prejudicou e ele se viu preso do lado daquela estação de trem.
Se a família Chu tivesse permanecido na China eles com certeza teriam uma vida bem melhor do que numa cidade pequena dos Estados Unidos onde a Ellie é a única amarela na escola e por isso é motivo de piadas e excluída.
Mas não é só isso, no show de talentos após sabotarem o piano dela gratuitamente, ela toca a música que ela compôs provando não ser apenas uma garota inteligente, mas com um talento impressionante. Todos a aplaudem e o namorado estereotipado da Aster, o Trig, acaba soltando um “Uau, quando a Ellie ficou tão gata?” para o Paul. A intenção de fazê-lo caricato é 100% fidedigna, as pessoas queiram ou não são assim quando estão frente a pessoas racializadas.
Enquanto ela era só a garota asiática inteligente, só o que importava era as redações que ela fazia para a turma inteira, quando ela se mostrou talentosa e aplaudida por todos, ela ganha uma beleza exótica, se torna atraente, mas não deixa de ser “a outra”.
Em outro filme lançado em 2020 pela Netflix com direção e roteiro do Alan Yang, Tigertail, o protagonista sai de Taiwan a caminho dos Estados Unidos sem nada e com o sonho de ascender socialmente, ele ascende (não fala como, provavelmente a loja dele começou a vender bastante) porém completamente infeliz e sem planos para o futuro, ele trocou o amor da sua vida e a sua mãe por uma chance de ter o sonho americano.
Ele ganhou o sonho americano, conseguiu ter uma boa casa e os filhos conseguiram bons empregos, mas valeu a pena? Tanto que a sua relação com a filha era problemática até o momento deles voltarem para Taiwan para uma cena final emocionante.
O que ambos os filmes têm em comum? A diáspora amarela, o trabalho duro para ascenção social e que o sonho americano não é para todos. Me parte o coração ver o senhor Chu sentado no sofá vendo muitos filmes (clássicos do cinema que até dialogam com o filme, metalinguagem maravilhosa) porque não consegue aprender a falar em inglês e de como ele se esforça para falar com o Paul e este o acolhe também.
“Você nem imagina” não é o filme com representatividade LGBT que a comunidade queria, reconheço isso, mas ele não teve um final infeliz. Ellie conseguiu deixar de ser “a outra” para que pessoas como Paul e Aster a notassem e valorizassem a sua presença. Ela ganhou um melhor amigo, um possível amor, conseguiu descobrir quem ela era e poderia ser.
Acima de tudo, é um excelente filme com representação amarela em um momento mais do que importante para que isso acontecesse.
Isso foi o que eu consegui tirar dos filmes, eu poderia falar até mais de ambos, mas acho que por hora seja o suficiente, gostei de ambas as produções apesar de várias críticas negativas que eu acabei lendo, acho que foram competentes a fazerem o que foi de fato proposto.